Helen Clark*
Nações Unidas, 10/5/2012, (IPS) – A população mundial de hoje é mais saudável, mais rica e melhor educada do que do que nunca antes.
No entanto, com estes avanços incríveis convivem realidades desconcertantes. Muita gente ainda vive na pobreza extrema, inclusive em economias que crescem rapidamente. Aproximadamente 20% da população do planeta reside em Estados frágeis e muito vulneráveis.
A economia mundial e os sistemas financeiros seguem instáveis. A violência armada e as redes do crime organizado são uma ameaça cada vez maior para a segurança humana em muitos países. As mulheres continuam enfrentando sérias barreiras para seu verdadeiro empoderamento. E estamos chegando aos limites de nosso planeta.
Na medida em que a população mundial aumenta dos atuais sete bilhões de habitantes para os quase nove bilhões projetados para 2040, e se mantêm nossos padrões atuais de consumo e produção, aumenta a pressão sobre o planeta e seus recursos. Assim, quando os governantes internacionais se reunirem em junho no Rio de Janeiro para debater sobre o desenvolvimento sustentável, a resiliência deverá ser parte importante do diálogo.
Conseguir um desenvolvimento duradouro não é contrapor objetivos econômicos, sociais e ambientais, mas vê-los como objetivos interligados que são melhor alcançados em conjunto. A resiliência não pode ser criada da noite para o dia. Leva tempo. Mas é nossa melhor possibilidade de fixar os avanços obtidos até agora e de promover um desenvolvimento humano equitativo e sustentável.
A resiliência é a capacidade inerente de um sistema enfrentar qualquer comoção externa, sem importar o quanto é previsível ou surpreendente.
Para o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), a resiliência é um processo transformador que se constrói sobre a fortaleza inata dos indivíduos, de suas comunidades e das instituições, para prevenir e reduzir os impactos, bem como para aprender com a experiência de comoções de qualquer tipo, internas ou externas, naturais ou criadas pelo ser humano, econômicas, sanitárias, políticas ou sociais.
Em 2000, Moçambique foi afetada por uma inundação causada por um ciclone, que deixou 800 mortos e meio milhão de desabrigados e que alterou os meios de vida de outro milhão de pessoas, afetando no total 4,5 milhões de habitantes. Em 2007, quando inundações de magnitude semelhante voltaram a impactar esse país, houve 29 mortes, não 800. E os prejudicados foram 70 mil, não um milhão.
Quando Moçambique foi afetada pela segunda vez, a sociedade estava muito mais preparada, o risco de desastre tinha sido exaustivamente abordado e o governo conduzira e articulara uma visão estratégica clara. A comunidade internacional interveio para dar apoio ao desenvolvimento institucional, político e de capacidades.
Foram iniciados programas comunitários para minimizar o perigo de se perder os meios de subsistência, e foram fortalecidos os sistemas de resposta às emergências. Entidades da sociedade civil e a Cruz Vermelha trabalharam com os governos locais e a Organização das Nações Unidas (ONU) em uma preparação centrada da comunidade.
A lição fundamental deixada pela experiência de Moçambique é que as sociedades, quando investem tempo em aprender com as adversidades, estão melhor preparadas para enfrentá-las no futuro.
Os esforços de cooperação dentro das próprias comunidades tiveram um papel muito mais importante para salvar vidas do que qualquer intervenção externa. A sociedade demorou muito menos tempo para ser organizar e se recuperar.
Ao criar resiliência, a prioridade deve ser a prevenção, complementada com esforços explícitos para reduzir as vulnerabilidades sociais e o compromisso de manter a integridade das comunidades, as instituições e os ecossistemas.
A criação de resiliência se beneficia de uma governança ativa, efetiva, franca e justa, e não só no mundo em desenvolvimento. Como mostrou a recente crise financeira, nem todos os países industriais demonstraram uma resiliência sistêmica diante das comoções econômicas.
A menos que os países industrializados estejam dispostos a ver como a adversidade joga por terra anos de desenvolvimento e progresso humano, é crucial que desenvolvam uma resiliência sistêmica em relação às comoções. As instituições – particularmente as estruturas e os sistemas de governança – proporcionam contextos para desenvolver resiliência.
Quando as instituições estatais não garantem o acesso a justiça e a um serviço público que funcione, e não podem garantir um entorno no qual as pessoas possam prosperar, as comunidades se tornam mais vulneráveis a grupos criminosos e violentos, que preencherão qualquer vazio.
A fragilidade do Estado não é apenas reflexo de instituições fracas, mas também de sistemas sociais sob pressão. Um Estado resiliente está ancorado em uma sociedade coesa. E as desigualdades pronunciadas vão contra esta coesão.
O desenvolvimento sustentável baseado na resiliência também exige cultivar a capacidade dos pobres para superar desafios, e deveria estar pautado por um compromisso com a propriedade nacional, respostas amplas e integradas, inovação e aprendizagem, além de participação estratégica de longo prazo.
Criar sistemas de proteção social é um investimento importante em resiliência, pois defendem os mais vulneráveis dos piores efeitos das comoções e ajudam a prevenir retrocessos de desenvolvimento. Estes são os passos que nas décadas de 1930 e 1940 foram dados por muitas nações que hoje chamamos de industrializadas.
Os custos de um piso adequado de proteção social variam de 1% a 2% do produto interno bruto. Porém, atualmente apenas 20% da população mundial em idade de trabalhar – principalmente nos países de renda média e alta – tem acesso a sistemas amplos de proteção social.
As sociedades resilientes também são as que têm uma capacidade de diálogo que permite mediar diferenças com cordialidade. Exibem confiança social e cívica, o que leva a população a se sentir incluída e incentivada a participar. Estabelecer estes atributos constitui um árduo trabalho para qualquer país. E fazê-lo é ainda mais difícil naqueles devastados por conflitos e violência. Entretanto, sem essa capacidade para a tolerância, a fragilidade pode afetar as instituições e os sistemas de uma sociedade. Envolverde/IPS
* Helen Clark é administradora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e ex-primeira-ministra da Nova Zelândia.
(FIN/2012)