Por José Graziano*
RIO DE JANEIRO, 18 junho (TerraViva) – As declarações finais da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano de 1972 e a ECO-92 puseram o ser humano no centro do desenvolvimento sustentável. No entanto, até hoje, mais de 900 milhões de pessoas ainda passam fome.
Populações pobres pelo mundo afora, especialmente nas áreas rurais, são as mais atingidas pela crise de comida, climática, financeira, econômica, social e energética que o mundo enfrenta hoje.
Não podemos falar em desenvolvimento sustentável enquanto aproximadamente uma em cada sete pessoas – crianças, mulheres e homens – ficam para trás, vítimas de desnutrição. Seria uma contradição em termos.
A Fome e a pobreza extrema também excluem a possibilidade de um verdadeiro desenvolvimento sustentável porque os miseráveis precisam usar os recursos naturais disponíveis para conseguir comida. Para eles, suprir suas necessidades básicas é a principal primordial de cada dia – planejar para o futuro é um luxo que eles não têm.
Paradoxalmente, mais de 70 por cento das pessoas que passam fome no mundo dependem diretamente da agricultura, caça e pesca para sobreviver. Portanto, suas escolhas diárias ajudam a determinar como os recursos naturais do mundo são administrados.
Não podemos esperar que o agricultor pobre não corte uma árvore se essa é sua única fonte de energia; não podemos pedir para o pescador artesanal deixar de pescar durante o período do defeso se essa é a única maneira de alimentar sua família.
A fome coloca em movimento um ciclo vicioso que reduz a produtividade, aprofunda a pobreza, desacelera o desenvolvimento econômico, promove a degradação dos recursos e a violência.
A fome e a disputa por recursos naturais são fatores de conflitos que, mesmo quando são internos, tem impactos que frequentemente ultrapassam as fronteiras dos países. Então, há também uma ligação direta entre a segurança alimentar e segurança nacional e regional.
A busca da segurança alimentar pode ser o fio condutor que liga os diferentes desafios que o mundo enfrenta e ajudar a construir um futuro mais sustentável.
Na Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio + 20, temos uma oportunidade de ouro para explorar a convergência entre as agendas da segurança alimentar e a sustentabilidade para assegurar que isso aconteça.
Ambos requerem mudanças para modelos de produção e consumo mais sustentáveis.
Para alimentar uma população mundial que superará a marca de nove bilhões de pessoas em 2050, a FAO prevê a necessidade de aumentar a produção agrícola em pelo menos 60 por cento. Para isso, precisamos produzir mais alimentos ao mesmo tempo em que conservamos o meio ambiente.
Mas mesmo com práticas mais sustentáveis, a pressão sobre nossos recursos naturais será extrema. Então, também temos que mudar a maneira que nos alimentamos, adotando dietas mais saudáveis e reduzindo o desperdício e perda de alimentos: todo ano, entre a colheita e o consumo, jogamos fora 1,3 bilhão de toneladas de alimentos.
No entanto, mesmo se aumentarmos a produção agrícola em 60 por cento até 2050, o mundo ainda terá 300 milhões de pessoas com fome daqui a quatro décadas porque, como as centenas de milhões de subnutridos hoje, eles continuarão sem os meios para ter acesso à comida que necessitam.
Para eles, a segurança alimentar não é um problema de produção insuficiente, é uma questão de acesso inadequado.
Para tirar esses milhões de pessoas da insegurança alimentar precisamos investir na criação de melhores empregos, pagar melhores salários, dar-lhes maior acesso a ativos produtivos – especialmente terra e água - e distribuindo renda de forma mais justa e equitativa.
Precisamos trazê-los para dentro da sociedade, complementando o apoio aos pequenos agricultores com oportunidades de geração de renda, com o fortalecimento das redes de proteção social, mutirões de trabalho e programas de transferência de renda, que contribuam ao fortalecimento de circuitos locais de produção e consumo para dinamizar as economias locais.
A transição para um futuro sustentável também exige mudanças fundamentais no sistema de governança de alimentos e agricultura e uma partilha equitativa dos custos de transição e benefícios.
No passado, os mais pobres pagaram uma parcela maior dos custos de transição e receberam uma cota menor de benefícios. Este é um equilíbrio inaceitável e que precisa mudar.
Erradicar a fome e melhorar a nutrição humana, criando sistemas sustentáveis de produção e consumo de alimentos, e construir uma governança mais inclusiva e eficaz dos sistemas agrícolas e alimentares são cruciais para alcançar um mundo sustentável.
Na Rio+20, estamos numa encruzilhada. De um lado está o caminho para a degradação ambiental e o sofrimento humano; do outro está o futuro que todos queremos. A Rio +20 oferece uma oportunidade histórica que não podemos dar ao luxo de perder.
Nós sabemos como acabar com a fome e gerenciar os recursos do planeta de uma forma mais sustentável. Mas precisamos de uma vontade política mais forte para fazê-lo.
Devemos olhar para Rio +20 como o início de um caminho e não como o ponto de chegada. E essa é uma caminhada que não podemos fazer sozinhos.
Como a luta contra a fome, o desenvolvimento sustentável é uma meta a que cada um de nós deve contribuir – cidadãos, empresas, governos, movimentos sociais, ONGs e organismos regionais e internacionais. Juntos, trabalhando a partir do nível local ao nível global, podemos construir o futuro que queremos. E esse futuro precisa começar hoje. (IPS/TerraViva)
*Diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO).
Publicada originalmente no jornal Valor Econômico
(FIM/2012)