Por Mario Osava, enviado especial
RIBEIRA DO POMBAL, Brasil, 14 jun (IPS/TerraViva) “Antes eu tocava fogo pra espantar as abelhas, que não deixavam trabalhar”, recorda o agricultor Antonio Ribeiro da Cruz, de 61 anos. “Elas continuam brabas, mas hoje são amigas”, reconheceu.
Já não se queima estrume de vaca para afugentá-las, corroborou sua vizinha Marinês Albina Santos, de 43 anos e seis filhos. A Comunidade de Deus, agora, ao contrário, mima as abelhas com flores. Para isso cultiva mudas de sabiá e outras espécies próprias para atrair enxames e aumentar a produção de mel. Todos viraram conservacionistas, abandonaram a antiga prática do desmatamento, passando a reflorestar.
Nascido de um assentamento de 29 famílias em 2003, a comunidade é uma das 282 beneficiadas pelo Projeto Gente de Valor, do governo da Bahia, com financiamento do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), das Nações Unidas.
Além da apicultura, a que aderiram 25 membros, o povoado a uns 20 quilômetros de Ribeira do Pombal também cultiva caju. Cada família tem seu lote com uns 360 cajueiros, todos do tipo precoce, mais produtivo e resistente à seca do que o gigante. Agora preparam em mutirão um pomar coletivo de dois hectares.
Os planos da associação comunitária incluem construir uma usina de beneficiamento da castanha e outra para o mel, produtos que vendem através de cooperativas.
“A vida aqui melhorou 100 por cento”, com o projeto, avaliou Marinês Santos, uma agricultora tradicional que “nunca pensou em viver de abelha, horta e caju”, mas não abandonou a cultura tradicional do feijão, milho e mandioca. Foi assentada ali depois de perder a posse de uma terra incluída numa reserva indígena num município vizinho.
O Gente de Valor, que apoia apenas comunidades rurais extremamente pobres e organizadas, está revitalizando a produção de caju com “uma intervenção mínima”, apenas difundindo a técnica do enxerto, informou Sergio Amim, gerente do projeto na região nordeste da Bahia.
Os cajueiros locais são quase todos velhos, pouco produtivos. Podados e enxertados com espécies precoces, alavancam a produção, explicou Amim.
A pequena criação, especialmente de cabras, a mandioca e frutas nativas, como umbu e licuri, são outras cadeias que o projeto atua. Com poucos recursos, 60 milhões de dólares, a metade proveniente do FIDA, para atender uma vasta população, tratou-se de definir focos precisos, através de um diagnóstico participativo nas comunidades.
Na pequena criação optou-se por melhorar a alimentação e a sanidade. Aproveitar forrageiras locais, como as cactáceas palma e mandacaru sem espinho, e usar técnicas de feno e silagem, para garantir alimento nas secas, foram as orientações.
Como fazer apenas farinha de mandioca é “inviável economicamente”, a saída foi priorizar a fécula e os biscoitos. O projeto implantou duas unidades de beneficiamento para esse fim, uma delas numa aldeia dos índios Kiriri, associando-as a uma bem sucedida cooperativa do sudoeste baiano, para a difícil comercialização, revelou Amim.
O licuri é “entusiasmante” porque um pequeno apoio dá resultados “espetaculares”, segundo o agrônomo da Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), órgão do governo baiano que toca o Gente de Valor. A intervenção se resumiu em oferecer duas máquinas de quebrar o coco, multiplicando a produtividade.
Antes uma mulher gastava 80 por cento do seu tempo a quebrar cocos e 20 a catá-los no campo. Com a máquina essa proporção se inverteu, e ela decuplicou sua produção e venda, garantiu Amim.
Em cada comunidade o projeto ajudou a alavancar uma dessas cadeias produtivas. Mas em todas implantou os “quintais produtivos”, onde se produzem hortaliças regadas com água das “cisternas de produção”. São dois tanques duplos, de 5.000 litros cada, semi-enterrados num terreno em declive para coletar água das enxurradas. O sistema se inspirou nos “potes” peruanos.
As hortas melhoram a alimentação das famílias, mas também produzem excedentes para venda, contribuindo para a renda familiar. Os viveiros são outra iniciativa não prevista que, além de mudas para as próprias comunidades, produzem-nas para vender no mercado, principalmente as de árvores frutíferas.
O Gente de Valor se insere na corrente que promove a convivência com o semiárido, que se contrapõe às políticas fracassadas de combate à seca. Nessa linha implantou quase 8.000 cisternas que recolhem água da chuva pelo telhado, ainda que não fosse um objetivo do projeto. A carência de água de beber e cozinhar em muitas famílias impôs essa flexibilização, admitiu Amim.
Mas muitas iniciativas do projeto não deslancharam por causa da seca que assola grande parte do Nordeste brasileiro desde o ano passado. Muitas mudas se perderam nos viveiros ou não se venderam, porque ninguém as plantaria sem chuva. As caixas para formação de colmeias não foram colocadas nas matas porque as abelhas sumiram.
Prorrogar o projeto por dois anos seria crucial, avaliou Adriano Souza, um dos agentes comunitários formados no processo.
O FIDA tem interesse em apoiar a consolidação das inovações do Gente de Valor, por isso negocia com o governo baiano um novo projeto que ampliaria sua ação a outras áreas do semiárido pobre do estado, disse Ivan Cossio, gerente de Programas do Fundo para o Brasil. (FIM/2012)