Thalif Deen
Nova York, Estados Unidos, 1/6/2012, (IPS) – A Cúpula da Terra de 1992 no Rio de Janeiro se viu em grande parte desbaratada pela divisão Norte-Sul: uma batalha entre uma coalizão de nações industrializadas ricas e o Grupo dos 77 (G-77), atualmente integrado por 134 países em desenvolvimento.
De certa forma, as atuais divisões são mais profundas do que por ocasião da Conferência sobre Ambiente Humano realizada em Estocolmo em 1972, a primeira cúpula ambiental, e do que a Cúpula da Terra, duas décadas depois, disse Branislav Gosovic, ex-integrante da Comissão Brundtland sobre Meio Ambiente e que integrou a delegação do Centro Sul na conferência de 1992.
“A divisão afetará o processo e o resultado da Rio+20″, afirmou Gosovic, referindo-se à Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20) no Rio de Janeiro, de 20 a 22 de junho. Branislav Gosovic é autor de The Quest for World Environmental Cooperation: The Case of the U.N. Global Environment Monitoring System (A busca da cooperação mundial para o meio ambiente: o caso do Sistema Mundial de Monitoramento Ambiental das Nações Unidas).
IPS: Como participante da Cúpula da Terra de 1992, tem alguma confiança ou está cético com relação ao resultado da Rio+20?
Branislav Gosovic: Não sou otimista quanto a êxitos ou grandes avanços. A reunião acontecerá em um momento difícil para a economia global e nacional e após 20 anos de predomínio de uma globalização neoliberal. No primeiro caso, os chefes de Estado estarão preocupados com a resposta à atual crise que não sabem como manejar nem superar. E o segundo prejudicou a agenda sobre desenvolvimento sustentável e paralisou, ou fez retroceder, alguma das políticas e dos avanços conceituais realizados no período anterior com vistas à (e na) cúpula do Rio de Janeiro.
IPS: Qual sua opinião sobre o documento da Rio+20 que é negociado?
BG: Mantém muitas ideias e muitos objetivos vivos. Entretanto, semanas antes do encontro, parágrafos entre parênteses (o que indica desacordos) e palavras ambíguas sobre questões muito importantes mostram a falta de consenso e que a comunidade internacional caminha para um período de seca. Porém, me atrevo a ser otimista quanto ao longo prazo e após um período de globalização neoliberal, dada a maturação de muitos temas e a preocupação e o agravamento dos problemas globais identificados em Estocolmo há 40 anos, que a Rio+20 possa marcar o começo de 20 anos mais promissores para a cooperação internacional rumo a “Estocolmo+60, isto é, Rio+40.
IPS: Qual a melhor forma de conseguir isso?
BG: É preciso muito trabalho, compromisso e liderança de alguns países que estão em posição de oferecê-lo e participação das forças sociais em um movimento global genuíno. E o mais importante, acarretará grandes mudanças estruturais e paradigmas sobre como a sociedade se organiza, em escala nacional e global, uma chave que abrirá a porta para cumprir muitos dos atuais objetivos esquivos ou inalcançáveis. Não há motivo de surpresa no fato de tais mudanças sofrerem resistência e serem combatidas com unhas e dentes e por todos os meios disponíveis pelos que se opõem a elas.
IPS: Acredita em uma repetição da divisão Norte-Sul de 1991 nas atuais negociações do plano de ação da Rio+20, intitulado O futuro que queremos?
BG: A divisão Norte-Sul existe há mais de 60 anos, desde os primeiros dias da Organização das Nações Unidas. Afetou e determinou o resultado de Conferência de Estocolmo e a forma como foi conceituada a agenda ambiental, como um plano de desenvolvimento sustentável. Esteve presente no informe e na primeira reunião da Comissão Brundtland, isto é, a Comissão sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, e depois na Rio 92 e em Johannesburgo 2002. E tal como mostra o atual rascunho do documento final, terá um papel central na Rio+20. Pode-se argumentar que as questões ambientais usufruíram a agenda internacional para o desenvolvimento e vice-versa. Os problemas ambientais globais não podem ser atendidos nem resolvidos sem a participação do Sul e dos países em desenvolvimento, e sendo sócios iguais na empresa. Não se pode fazer desaparecerem as cúpulas gêmeas sobre meio ambiente e desenvolvimento, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e a Chamada Cúpula da Terra, como fazem alguns países industrializados tentando encontrar divisões e diferenças no Sul. Continuarão fazendo isso até que o Norte mude sua política e assuma sua posição de solidariedade e tenha uma adesão genuína aos princípios do Rio, de “responsabilidades comuns e diferenciadas”. Por outro lado, observa-se os esforços para transformar a agenda ambiental em uma grande oportunidade empresarial e de criação de emprego, para projetar uma imagem de determinados países em desenvolvimento importantes como principal ameaça para o meio ambiente global. Também para enfrentar nas negociações sobre mudança climática pequenos grupos de Estados em desenvolvimento vulneráveis, em um esforço de nunca acabar tendente a dividir o Grupo dos 77. Definitivamente, o conflito Norte-Sul está vivo e se movendo, dirá presente na Rio+20 e se manterá no futuro imediato.
IPS: Como se compara a Agenda 21 e o documento da Rio+20 com o histórico informe da Comissão Brundtland de 1987? Houve avanços substanciais desde então e desde a Conferência de Estocolmo?
BG: O documento da Rio+20 é resultado de um processo de negociações. Nesse sentido, não se pode comparar com o Informe Brundtland nem com o da Cúpula da Terra, ambos elaborados por equipes dedicadas a essa tarefa durante um longo tempo. Por outro lado, a maioria dos temas presentes no Informe Brundtland e na Agenda 21 podem ser encontrados no documento da Rio+20, embora redigidos de tal forma que revela a falta de consenso e de compromisso para agir. Houve avanços em numerosas áreas, mas, nas questões cruciais e nos conflitos subjacentes, quase não existiu movimento. Isso continuará sendo de interesse e desempenhará um papel importante na Rio+20. Um desses conflitos tem a ver com as divisões Norte-Sul, a agenda internacional para o desenvolvimento, e a questão relacionada da ordem global e política existente, que está sendo questionada. O outro conflito, menos visível, tem a ver com a natureza da ordem socioeconômica dominante, ou o paradigma, que é questionado por não ser sustentável do ponto de vista social nem ambiental. Este conflito estará presente no Norte e no Sul. Houve poucos progressos na prática sobre questões fundamentais desse tipo. Envolverde/IPS
(FIN/2012)