Por Mario Osava
RIO DE JANEIRO, 15 jun (TerraViva) Mostrar que o sul do Brasil também tem índios, e com uma cultura própria, motivou o cacique Teodoro Tupã Alves a trazer 40 jovens guarani à conferencia Rio+20, numa viagem de 1.500 quilômetros e 23 horas de ônibus.
Os jovens das aldeias Itamarã, Okoy e Añetetê, nos arredores de Foz do Iguaçu, formam três corais que cantarão juntos nas apresentações da diversidade cultural indígena da Kari-oca, onde se reúnem índios provenientes de todo o mundo, numa tentativa de influir nos compromissos que serão assumidos na conferência.
Marcos Terena, coordenador do encontro que repete a experiência da Rio-92, na mesma Colonia Juliano Moreira da zona oeste do Rio de Janeiro, recebeu o grupo guarani preocupado com a longa fila que ainda se formava para o almoço às 14 horas da quinta-feira. Estimava terem chegado mais de 400 participantes da Kari-oca, mas os talheres para 500 estavam se esgotando.
Muitas delegações estrangeiras ainda estão chegando. Os bolivianos informavam haver cruzado a fronteira do Brasil, a uns 1.800 quilômetros do Rio.
Mas as discussões do caucus começaram na quinta-feira e prosseguirão até dia 21, debatendo temas como economia verde, soberania alimentar e culturas indígenas. Um documento com as posições aprovadas será levado à reunião de cúpula da Rio+20, adiantou Terena, diretor do Comité Intertribal de Memória e Ciência Indígena.
A abordagem das Nações Unidas agora é econômica, não mais a ambiental da conferencia de 1992, o que dificulta novos avanços na inserção da causa indígena no sistema internacional, avaliou.
As grandes conquistas recentes, como a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, o Forum Permanente para Questões Indígenas na ONU e as duas décadas internacionais dedicadas aos índios, são frutos da Rio-92, segundo Terena. Negociações sobre biodiversidade, clima, desertificação e propriedade intelectual, geradas por aquela conferencia valorizaram a participação indígena.
Internamente, no Brasil, avançou-se menos, “há muito o que construir”, como uma jurisprudência do direito coletivo indígena no Poder Judiciário, comparou Terena.
“Onde há índios há luta pela terra”, observou Teodoro, que liderou uma longa luta pela terra da aldeia Itamarã, conseguida há cinco anos. Dos grupos desalojados pela hidrelétrica de Itaipu, na fronteira com o Paraguai, só três conseguiram recuperar suas terras. Outros nove, somando umas 1.300 pessoas, ainda vivem acampados, lamentou o cacique guarani.
Itaipu, inaugurada em 1984, nega a existência de índios atingidos pela represa. Seu levantamento só identificou “11 índios” na área afetada. Os “não índios”, definitivamente, não reconhecem a existência de índios no sul brasileiro, enfatizou Teodoro.
Vindo do outro lado, da Bahia, Iracema Pataxó se sente insegura sobre a recuperação das terras pelo seu povo, apesar da sentença do Supremo Tribunal Federal, que no mês passado reconheceu a reserva dos Pataxó, após meio século de lutas. A Corte considerou nulos os títulos de propriedade dos fazendeiros que ocuparam as terras tradicionais dos índios.
Os fazendeiros “não querem sair de lá” e têm o poder do dinheiro, comentou Iracema, que veio participar da Aldeia Kari-oca e vender artesanatos do seu povo. É a primeira vez que vem ao Rio de Janeiro, aos 47 anos e mãe de quatro filhos.
O barro formado pela chuva é sua grande queixa. A tenda em que se aloja há três dias ainda tem o chão molhado da chuva que caiu até segunda-feira e atrasou as obras do complexo onde os índios estão hospedados e se reúnem para as celebrações espirituais e culturais, para as discussões políticas e para os Jogos Verdes, que compreendem arco e flecha, arremesso de lança, cabo de força e futebol.
Por essa dimensão esportiva, a Kari-oca contou com o apoio do Ministério do Esporte. Mas é uma atividade com que o Comité Intertribal vem promovendo grandes encontros “olímpicos” dos índios de todo o Brasil, como fator de união.
Além de duas ocas típicas construídas por índios Kamaiurá que vieram do Alto Xingu, uma outra estilizada, na entrada da aldeia, será a Oca da Sabedoria, para as reuniões. Arredondada como as outras, é feita de grandes placas que deixam aberturas, num desenho geométrico, com o topo também aberto numa comunicação com o céu.
Trata-se de “uma inovação”, idealizada por “arquitetos ecológicos”, em que se usam madeiras amarradas para sustentação, “tudo desmontável”, para ser coerente com a sustentabilidade, explicou Terena. (IPS/TerraViva)
(FIM/TerraViva)