Stephen Leahy
UXBRIDGE, Canadá, 4 de junho de 2012, (IPS) – (Tierramérica).- Um ombudsman das futuras gerações pode se contrapor à natureza de curto prazo dos ciclos eleitorais dos governos, ao defender interesses e necessidades das próximas gerações.
O lema da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, é O futuro que queremos, mas não há um papel oficial para os jovens nem uma voz que fale pelas gerações futuras que terão que viver nesse futuro. Contudo, cobra-se que a cúpula, que acontecerá de 20 a 22 deste mês, no Rio de Janeiro, estabeleça um alto comissariado para as futuras gerações.
“Nasci em 1992, ano da primeira Cúpula da Terra no Rio de Janeiro. Desde então, o mundo mudou muito”, disse Andrew Wong, procedente de Burlington, na província canadense de Ontário. Andrew irá à Rio+20 como parte da delegação da Students on Ice (Estudantes sobre Gelo), uma organização que oferece expedições educativas para o Ártico e a Antártida, para estudantes, professores e pesquisadores. “Queremos levar a voz da nossa geração. Eles vão tomar decisões em nosso nome”, afirmou ao Terramérica.
De Londres, Alice Vincent, do Conselho Mundial do Futuro (WFC) questionou: “Quem pode se opor a proteger os direitos das futuras gerações?”. Alice afirmou ao Terramérica que “um alto comissariado para as futuras gerações poderia se contrapor à natureza de curto prazo dos ciclos eleitorais, ao defender os interesses e as necessidades das próximas gerações”.
Kathleen Dean Moore, professora do Departamento de Filosofia da Oregon State University, dos Estados Unidos, estima que “a injustiça da mudança climática e do esgotamento dos recursos reside no fato de que os que sofrerão as consequências mais terríveis – as futuras gerações – não tiveram nenhum papel na criação desta situação”. Elas “não ganharão nada do saque à Terra que acontece diante de nossos narizes, mas sofrerão as consequências: inundações, secas, escassez e alteração dos sistemas alimentares e uma violenta alteração climática”, declarou ao Terramérica.
Nem no sistema da Organização das Nações Unidas (ONU), nem no âmbito nacional existe uma figura semelhante, talvez com a exceção do ombudsman para as Futuras Gerações da Hungria, contou Alice da WFC, uma das entidades que impulsionam esta iniciativa. O WFC é uma fundação sem fins lucrativos com sede em várias cidades, entre elas Londres e a alemã Hamburgo, que trabalha para que os interesses das futuras gerações sejam considerados na elaboração de políticas atuais. Em aliança com outras organizações da sociedade civil, conseguiu que esta ideia fosse incluída no rascunho do documento final da Rio+20.
Participarão da Rio+20 cerca de 50 mil pessoas, entre elas 130 governantes, como o presidente da Rússia, Vladimir Putin, e os primeiros-ministros Manmohan Singh, da Índia, e Wen Jiabao, da China. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, não confirmou presença. O encontro tem este nome porque acontecerá na mesma cidade e duas décadas depois da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que deu origem a três dos principais tratados ambientais globais: as convenções sobre mudança climática, biodiversidade e desertificação.
Na Rio+20 não será assinado nenhum tratado dessa envergadura. Entretanto, seu documento final deveria servir como mapa mundial para o desenvolvimento sustentável. Este texto incluirá medidas para tornar a economia mundial mais “verde” e, possivelmente, alguns objetivos de desenvolvimento sustentável e o calendário para seu cumprimento. O “rascunho zero” do documento final é objeto de árduas negociações. Ao receber sugestões e recomendações dos Estados-membros da ONU e dos principais grupos da sociedade civil, chegou a ter quatro mil páginas. Sua última versão conhecida está com 80, mas longe de ser um documento de consenso.
Diante das muitas divergências, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, convocou uma sessão de emergência na sede das Nações Unidas em Nova York, entre 29 de maio e 2 deste mês, para prosseguir as negociações. Supõe-se que quando os governantes chegarem ao Rio o texto terá cerca de 20 páginas. “Nossa proposta de um alto comissariado sobreviveu, mas enfraquecida”, lamentou Alice, que participou das negociações em Nova York.
Na versão distribuída no dia 28 de maio, os Estados concordaram apenas em “considerar” a proposta de um Alto Representante para o Desenvolvimento Sustentável e as Futuras Gerações, possivelmente integrando um escritório já existente, e não independente. Porém, é crucial que esta figura disponha de amplos poderes para cumprir uma agenda que contemple as necessidades das próximas gerações junto aos líderes atuais, alertou Alice. “Imaginamos um alto comissariado com um escritório pequeno (de dez funcionários) e um pessoal multidisciplinar que trabalhe em cooperação com instituições, agências e atores já existentes”, ressaltou.
Com um orçamento anual entre US$ 2 milhões e US$ 3 milhões, esse escritório recomendaria como implementar os compromissos intergovernamentais existentes, respeitando as necessidades dos que nos sucederão no planeta. Também promoveria e facilitaria a participação pública no debate e na identificação de assuntos que afetem as próximas gerações e suas possíveis soluções, explicou Alice. A União Europeia apoia a proposta, e países como Austrália, Canadá, Noruega e Suíça demonstram interesse.
No entanto, como em toda negociação que exige consenso, não há nada acordado até que se acerte tudo, e os resultados começarão a ser vistos na medida em que transcorrerem novas discussões, comentou Kathleen. Como seu nome indica, a versão do dia 28 de maio acrescentou um novo papel ao alto representante, como promotor do desenvolvimento sustentável, apesar das objeções de Alice e outros que promovem essa figura. E seus poderes vão muito além, incluindo, por exemplo, proteger o patrimônio cultural para as futuras gerações.
“Tenho muitas suspeitas sobre essa combinação de desenvolvimento sustentável e direitos das futuras gerações. O desenvolvimento contínuo não pode se sustentar. O que precisamos é de um equilíbrio sustentável, ou uma prosperidade sustentável”, enfatizou Kathleen. Os países devem rejeitar “a concepção ocidental de que o crescimento econômico infinito é bom e necessário”, concluiu. (FIN/2012)