Federico Mayor Zaragoza e Mario Soares*
Barcelona, Espanha, 31/5/2012, (IPS) – Vivemos tempos de grande confusão e de enormes incertezas. Uma parte do mundo se vê ferozmente afetada pelas consequências do Estado de total submissão em que se encontram os governos com relação aos mercados financeiros.
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Carregando o desenvolvimento. Crédito: Claudius/IPS
Esses mercados, supostamente anônimos, em uma situação de total descontrole, em razão das políticas desreguladoras das últimas décadas, se veem inclusive com força para fazer caírem governos eleitos democraticamente e substituí-los por outros “tecnocráticos”.
Por outro lado, vemos como a natureza especulativa de grande parte destes mercados também se mostra cruel com as matérias-primas, incluindo os alimentos, o que leva mais milhões de pessoas à fome e à desnutrição. Este fato, somado ao crônico descumprimento dos acordos internacionais referentes à cooperação para o desenvolvimento, se vê agravado pela atual crise econômico-financeira.
Paralelamente, o mundo encontra-se imerso em outra crise que ameaça sua própria sobrevivência.
Os desafios que representam o aquecimento global e a degradação ambiental, agravados por padrões de produção e consumo insustentáveis, crescem de forma alarmante sem que as atuais estruturas de governança mundial sejam capazes de enfrentá-los, tal como demonstram os reiterados fracassos das reuniões da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática.
É neste contexto que, entre 20 e 22 de junho, se reunirá no Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, conhecida como Rio+20, duas décadas depois da realização da Cúpula da Terra, também nessa cidade.
Trata-se de um momento muito importante na agenda internacional ao qual todos – e, sem dúvida, também a cidadania – temos que prestar uma atenção muito especial.
São vários os temas que fazem parte da agenda deste encontro que ainda são objeto de intensas negociações. Contudo, a partir do Ubuntu – Fórum Mundial de Redes da Sociedade Civil, queremos destacar o seguinte em relação aos dois temas centrais: economia verde e o contexto institucional.
O conceito de economia verde deve se referir, necessariamente, a um modelo de desenvolvimento sustentável que incorpore uma visão holística com uma base profundamente social e de respeito ambiental. Não é aceitável, e rechaçaremos qualquer promoção de um modelo que, com subterfúgios, esconda uma simples aposta por uma maior mercantilização da natureza.
A reforma do contexto institucional é evidente e mais urgente do que nunca. Além dos detalhes organizacionais deste novo marco – que também são importantes -, o que é realmente relevante é assegurar que a nova estrutura conte com os recursos, a independência e os poderes reais necessários para garantir a aplicação e o respeito dos acordos sobre meio ambiente, incluindo a capacidade de impor sanções.
Isto deve estar paralelo à promoção de um sistema de multilateralismo democrático, a única opção possível se realmente cremos no processo para um verdadeiro modelo de governança mundial democrático, participativo e justo.
A respeito dos outros dois temas da Cúpula, um dos elementos essenciais é avançar em tudo o que diz respeito ao conceito de justiça climática, com base no princípio de “responsabilidades comuns, mas diferenciadas”. Nesse sentido, a questão do financiamento também é fundamental, o que evidencia – uma vez mais – a necessidade de progredir em questões como os mecanismos inovadores de financiamento para o desenvolvimento, e em especial a proposta de uma taxa sobre as transações financeiras.
No contexto de uma proposta integral do conceito de desenvolvimento humano sustentável, também é imperioso o estabelecimento de um marco jurídico que evite a especulação que afeta os preços dos alimentos.
Além disso, o debate sobre novas fórmulas de medição do desenvolvimento e da sustentabilidade deve nos ajudar a superar – na linha do que propõe o Índice de Desenvolvimento Humano – o atual modelo baseado no produto interno bruto (PIB), que deixa de lado elementos básicos como a igualdade, a sustentabilidade ou o respeito aos direitos humanos.
Nesse sentido, a proposta dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável pode ser positiva desde que esteja na direção mencionada e seja complementar aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, com os quais, em nenhum caso, deve haver competição.
Também é de extraordinária importância que a cúpula renove e relance acordos tão fundamentais como a Agenda 21, que inclui temas de especial significado como os compromissos de redução das emissões de gases-estufa, ou as convenções sobre mudança climática, diversidade biológica e desertificação.
Portanto, fazemos um chamado à mobilização de todos os atores implicados, mas especialmente da cidadania e da sociedade civil – em todos os níveis: local, regional e mundial – para conseguir que a nova Cúpula da Terra esteja à altura das circunstâncias, tão sérias, que vivemos.
O mundo não pode se permitir outro fiasco no Rio. É tempo de responsabilidade. E é tempo, sobretudo, de ação. Envolverde/IPS
* Federico Mayor Zaragoza é ex-diretor-geral da Unesco, presidente da Fundação Cultura de Paz e ex-presidente da agência IPS. Mario Soares é ex-presidente e ex-primeiro-ministro de Portugal. Ubuntu – Fórum Mundial de Redes da Sociedade Civil. Veja o texto completo do chamado e das adesões.
(FIN/2012)